terça-feira, 19 de abril de 2011

A autonomia e sustentabilidade indígena nos últimos 20 anos

No site www.ufpa.br

O Pará é o segundo Estado brasileiro em número de populações indígenas, segundo as estatísticas da Fundação Nacional do Índio (FUNAI). Possui oficialmente 39 terras indígenas e 41 etnias. Levantamentos recentes, contudo, mostram que tal número pode ser maior: havendo registro da existência de 55 etnias no Estado, falando 27 idiomas.Desde o descobrimento do Brasil, há 511 anos, até então, os índios têm estado à margem de uma sociedade que nem sempre valoriza sua cultura, seus conhecimentos e sua individualidade. No entanto algumas conquistas foram alcançadas e, de um povo submisso aos colonizadores, os indígenas tornaram-se cidadãos, portadores de direitos.



É o que demonstra a Tese “Autonomia e sustentabilidade indígena: entraves e desafios das políticas públicas indigenistas no Estado do Pará entre 1988 e 2008”, defendida pela antropóloga Rosiane Ferreira Gonçalves, a qual teve por objetivo analisar como (e se) as políticas públicas indigenistas elaboradas desde 1988 e executadas no Pará garantem (ou não) a autonomia e sustentabilidade econômica, ambiental e sociocultural dos povos indígenas nelas envolvidos.



O estudo foi apresentado ao Programa de Doutorado em Desenvolvimento Sustentável do Trópico Úmido do Núcleo de Altos Estudos Amazônicos (NAEA) da Universidade Federal do Pará (UFPA), e traz algumas reflexões interessantes quando se vivencia mais uma vez o Dia Nacional do Índio, dia 19 de abril. Será que o cenário atual da realidade dos povos indígenas no Pará merece comemoração?




Segundo a pesquisadora, que também faz parte do Grupo de Estudos sobre Povos Indígenas (GEPI) da UFPA, “muito ainda precisa ser feito de maneira a garantir a efetividade das políticas públicas para povos indígenas, sobretudo no tocante à garantia da especificidade demandada pela legislação em vigor”. A investigação de Rosiane considerou iniciativas nas áreas de educação, saúde, fomento às atividades produtivas e proteção territorial e ambiental empreendidas em favor dos índios no Estado.



Realidade - A análise concentrou-se especificamente na realidade das etnias Tembé, Asurini do Trocará, Gavião Parkatêjê e Kyikatêjê (clique aqui e confira as principais características dessas etnias). A pesquisa de doutorado foi iniciada em 2005, mas o assunto é alvo da atenção da antropóloga há mais de 10 anos.




A Tese mostra que as principais queixas desses povos dizem respeito à educação, área em que há necessidade de material pedagógico e de metodologia específica, uma vez que os sistemas escolares indígenas acabam apenas por transpor o modelo de educação da cidade para as aldeias. Falta ainda material escolar adaptado, espaço físico adequado e professores capacitados para lidar com realidades etnicamente diferenciadas.








Saúde e carência - De acordo com as reclamações, os quadros da atenção à saúde e da questão fundiária são ainda mais críticos. No caso dos postos de assistência, há carência de equipamentos, ausência de acolhimento diferenciado, de remédios e de insumos para atendimento primário. No tocante às terras indígenas, estas, quase sempre, são alvo certo de madeireiras, posseiros e fazendeiros. “Soma-se a isso o fato de que muitos indígenas se encontram em situação de extrema pobreza”, revela a pesquisadora.



Recorte temporal - Rosiane Gonçalves explica que a opção por analisar, na sua tese, a realidade de um recorte temporal de 20 anos, contando a partir da Constituição de 1988 se dá por ter sido a partir daí que houve bases para elaboração de uma política indigenista nova, considerando a diversidade étnica e sociocultural dos povos indígenas. “Antes de 1988, a política indigenista era marcada pela perspectiva integracionista e assimilacionista, em que se acreditava que os indígenas fatalmente iriam desaparecer. A partir de 1988, reconheceu-se aos indígenas o direito de serem eles mesmos (em sua diversidade), reproduzirem-se infinitamente e representarem a si perante as questões políticas e jurídicas”, afirma a pesquisadora.




O estudo de Rosiane mostra, ainda, que as políticas públicas indigenistas implementadas nesse período de 20 anos para cá, no Estado do Pará, são “transversais” e, portanto, representam reflexos das políticas nacionais, que se encontram “pulverizadas” em diversos órgãos das esferas federal, estadual e municipal, revelando uma rede complexa de atores e serviços, que, por vezes, se justapõem sem apresentar a integração necessária para se obter resultados concretos quanto à garantia dos direitos dos cidadãos indígenas.



A antropóloga aponta, também, que “há uma forte tendência à terceirização dos serviços indigenistas, com a introdução de empresas e ONG na sua execução. Isso tem gerado uma certa confusão aos indígenas quando da necessidade de acionarem os serviços públicos e terem a plena satisfação de seus direitos”, ressalta.




Entraves e desafios - Vários são os entraves e desafios para garantir a autonomia e a sustentabilidade dos povos indígenas, aponta Rosiane Gonçalves, dentre eles: o desconhecimento dos direitos indígenas; “burocracia” para operar as ações públicas indigenistas; ausência de integração entre as ações; poucos recursos alocados na FUNAI; ausência de participação indígena efetiva; ausência de adequação dos projetos de educação e de desenvolvimento às realidades e aspirações indígenas. Isso demonstra que “a construção da autonomia e da sustentabilidade indígena mediante a execução de políticas públicas tem se constituído mais em discurso do que em realidade”, constata a antropóloga.



A pesquisadora considera que, para se garantir um desenvolvimento autônomo e sustentável para os povos indígenas na atualidade, é necessário quebrar a relação de dependência dos indígenas em relação à FUNAI e a outras agentes institucionais; desintrusar as terras indígenas, garantindo seu usufruto exclusivo aos indígenas; garantir participação indígena efetiva nos processos decisórios de políticas públicas; empoderar os indígenas para que possam conduzir seus próprios projetos de desenvolvimento e derrubar o preconceito e a intolerância dos não indígenas para que reconheçam e permitam a operação dos direitos desses povos. “Há de considerar, também, que para um projeto de autonomia e sustentabilidade dar certo, ele precisa atender as aspirações indígenas e ter sua participação efetiva”, sinaliza Rosiane.






Apesar dos vários entraves, é válido destacar, segundo as conclusões da estudiosa, que, nos últimos anos, os indígenas ganharam espaços nas Secretarias de governo. Assim, as populações indígenas têm ampliado sua participação nos processos decisórios envolvendo a construção e operacionalização de políticas públicas. “O discurso da construção da autonomia e sustentabilidade indígena tem crescido tanto entre os setores governamentais, quanto no meio indígena”, comemora Rosiane Gonçalves. Essas “inovações” na condução das políticas indigenistas no Pará são resultados das mudanças operacionalizadas em âmbito nacional, dentro de um contexto não só de descentralização e municipalização, mas também de empoderamento e participação social dos indígenas nas tomadas de decisões.





Texto: Jéssica Souza – Assessoria de Comunicação da UFPA

Fotos: Arquivo pessoal

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