terça-feira, 27 de outubro de 2009

Clarice Lispector

Fechando a homenagem à mulher neste Blog, trago poemas da grande Clarice Lispector. Ela que é vista como uma escritora que reconhecia com espanto ser um mistério para si mesma e que continuará sendo um mistério para seus admiradores, ainda que os textos confessionais aqui coligidos possibilitem reveladores vislumbres de sua densa personalidade. Eis alguns:

Não entendo

Isso é tão vasto que ultrapassa qualquer entender./
Entender é sempre limitado./
Mas não entender pode não ter fronteiras./
Sinto que sou muito mais completa quando não entendo./
Não entender, do modo como falo, é um dom./
Não entender, mas não como um simples de espírito./
O bom é ser inteligente e não entender./
É uma benção estranha, como ter loucura sem ser doida./
É um desinteresse manso, é uma doçura de burrice./
Só que de vez em quando vem a inquietação:/
quero entender um pouco./
Não demais: mas pelo menos entender que não entendo./


Se tudo existe

Se tudo existe é porque sou./
Mas por que esse mal estar?/
É porque não estou vivendo do único modo/
que existe para cada um de se viver e nem sei qual é./
Desconfortável./
Não me sinto bem./
Não sei o que é que há./
Mas alguma coisa está errada e dá mal estar./
No entanto estou sendo franca e meu jogo é limpo./
Abro o jogo./
Só não conto os fatos de minha vida:/
sou secreta por natureza./
O que há então?/
Só sei que não quero a impostura./
Recuso-me./
Eu me aprofundei mas não acredito em mim porque meu pensamento é inventado./


A Perfeição

O que me tranqüiliza é que tudo o que existe,/
existe com uma precisão absoluta./
O que for do tamanho de uma cabeça de alfinete não transborda nem uma fração de milímetro além do tamanho de uma cabeça de alfinete./
Tudo o que existe é de uma grande exatidão./
Pena é que a maior parte do que existe com essa exatidão nos é tecnicamente invisível./
O bom é que a verdade chega a nós como um sentido secreto das coisas./
Nós terminamos adivinhando, confusos, a perfeição.

Mas há a vida

Mas há a vida/
que é para ser/
intensamente vivida, há o amor./
Que tem que ser vivido/
até a última gota./
Sem nenhum medo./
Não mata.

(agradecimentos à Maíra Neves, parceira de Najupak e colaboradora para esta sessão)

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