Fonte: Diário do Pará 23.02.2010
A Ordem dos Advogados do Brasil no Pará (OAB-PA) foi a campo investigar se os juízes estavam trabalhando nos fóruns de suas comarcas, na segunda-feira, mas o que comprovou deixou “alarmado” o presidente da entidade, Jarbas Vasconcelos: no interior, 60% dos magistrados, das áreas criminal e cível, não deram as caras; em Belém, 35% não apareceram. A operação, que adquiriu caráter sigiloso, mobilizou conselheiros da entidade na capital e os dirigentes de seccionais espalhadas pelo Estado.
Em entrevista exclusiva ao DIÁRIO, o líder da OAB informou que ontem mesmo havia encaminhado o resultado da “Operação TQQ” - denominação cunhada pelo presidente da OAB nacional, o paraense Ophir Cavalcante Júnior para definir juízes que só aparecem para trabalhar nos fóruns às terças, quartas e quintas-feiras.
Segundo relatório da operação, na região da Transamazônica, coberta por 10 municípios, ontem só tinham comparecido ao fórum para trabalhar os juízes de Altamira e Brasil Novo. Em Anapu, Placas, Medicilândia, Pacajá, Porto de Moz, Senador José Porfírio e Vitória do Xingu não havia juiz. A comarca de Uruará está sem juiz e aguarda nomeação. Na região de Ananindeua, dos 10 juízes, nove compareceram. Em Benevides, onde atuam quatro, a OAB conferiu a ausência de três.
AUSÊNCIA
A falta de juízes também foi muito sentida na região da OAB que abrange Capanema. Apenas dois dos 12 magistrados lotados apareceram, ainda segundo o relatório da entidade. Na região estão os municípios de Bonito, Cachoeira do Piriá, Capanema, Capitão Poço, Garrafão do Norte, Nova Timboteua, Ourém, Peixe-Boi, Primavera, Salinópolis, Santa Luzia do Pará e Santarém Novo. Para Vasconcelos, as ausências podem ser classificadas como “intoleráveis”.
Em outras regiões do Estado, como no sul e oeste, a ausência nas comarcas foi classificada de “absurda” pelo presidente. Vasconcelos afirma que a OAB não quer individualizar a conduta de nenhum juiz, mas alerta que o TJ e o CNJ precisam tomar providências para que essas ausências não mais se repitam. O DIÁRIO procurou o presidente da Associação dos Magistrados do Estado do Pará (Amepa), Paulo Roberto Vieira, e ouviu dele uma reação indignada à postura da OAB de fiscalizar a presença dos juízes nas comarcas. “Policialesca, insensata e intimidadora”.
Ele disse que os números de frequência levantados pela OAB não possuem “nenhuma validade jurídica”, acrescentando que eles não resolveram os problemas que a justiça enfrenta. “Ao contrário, isso pode provocar um confronto entre juízes e advogados”.
>> Para o presidente da OAB, os juízes teriam que trabalhar oito horas por dia, como fazem carpinteiros, agentes administrativos e outras categorias profissionais.
P: Qual a avaliação desses números produzidos pela “Operação TQQ”?
R: Fizemos um levantamento que produziu os seguintes números: em 140 varas espalhadas pelo interior do Pará 60% dos juízes não estavam trabalhando como deveriam. Esse dado é alarmante e grave, porque o Pará já tem a pior relação de juizes por população do país. Ou seja, precisamos fazer mais concursos para contratar juízes. Ora, se 60% dos juízes não estão trabalhando como deveriam, então podemos considerar que o povo do Pará é o mais privado de justiça de todo o Brasil.
P: Como foi realizada essa operação?
R: O advogado tem fé pública. Nós colocamos nossos conselheiros em Belém para verificar se os juízes estavam trabalhando. Em outras cidades do interior, nossos advogados e dirigentes das seccionais da OAB fizeram o mesmo trabalho. Portanto, o nosso objetivo não é individualizar quem trabalha ou não trabalha, mas contribuir para que a justiça se faça presente nos locais onde mais a população reclama.
P: Onde é maior a ausência de juízes?
R: Na Transamazônica, por exemplo, você só vai encontrar juizes em Altamira, ainda assim pela metade. No sul do Estado, não tem juiz em Parauapebas e nem na região vizinha. No oeste, você vê aquele enorme mundo geográfico sem juiz. Só em Santarém tem juiz. Estamos diante da completa ausência do Poder Judiciário do local onde ele deveria se encontrar.
P: Em Belém, como foi a operação?
R: Houve vazamento para o Poder Judiciário, juízes foram trabalhar depois das 9h, mas 35% não compareceram. Alguns chegam às 11h e saem às 13h.
P: Qual o objetivo dessa operação?
R: Em primeiro lugar, que os juízes cumpram a Constituição, residindo na comarca. Em segundo lugar, que esses juízes trabalhem oito horas por dia, como qualquer trabalhador normal, como carpinteiro, assistente administrativo, lanterneiro.
P: O que a OAB vai fazer?
R: Estamos encaminhando ao presidente do Tribunal de Justiça do Estado, desembargador Rômulo Nunes, e para o presidente do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), ministro Gilmar Mendes. É bom destacar que, neste momento, não estamos cogitando da conduta individual de cada juiz. O que queremos é buscar um diálogo, o consenso, com o Judiciário para que a Constituição e resoluções do CNJ sejam cumpridas. É claro que se não obtivermos esse consenso tomaremos as medidas cabíveis. Na nossa gestão, operações como as de segunda-feira serão uma constante. A sociedade só tem a OAB para fazer isso.
>> O presidente da Associação dos Magistrados do Estado do Pará (Amepa), Paulo Roberto Vieira, acredita que a fiscalização empreendida pela OAB pode levar a um confronto entre juízes e advogados. E avisa que poderá ingressar com ação por danos morais contra a OAB caso algum juiz tido como ausente na fiscalização de ontem se sinta “ofendido”. Ele também afirma que juiz é agente político e não pode cumprir horário como a maioria dos outros profissionais.
P: Como o sr. avalia a operação feita pela OAB nas comarcas do Estado?
R: Essa pesquisa não tem nenhuma validade. Quem me diz que esses números são verdadeiros? Não há nenhuma certificação pública de que isso seja verdadeiro. A questão é que tem comarca que está sem juiz, outra em que o juiz está em férias ou situações em que o juiz está acumulando comarca.
P: O trabalho da OAB consistiu em posicionar seus advogados nos fóruns de Belém e do interior para saber se os juízes estavam trabalhando.
R: O advogado não tem fé pública para certificar se o juiz está lá ou não. Quem tem fé pública é a Corregedoria de Justiça. É por isso que eu disse ao senhor se não sei se os números apresentados são verdadeiros ou não. Não posso dar credibilidade a um documento desses. Ele não tem nenhum valor jurídico. O documento entregue aos advogados fala em “operação sigilosa”. Ora, isso é estarrecedor. A OAB, que sempre defendeu a democracia e a publicidade dos atos, faz uma operação sigilosa. Isso é incomum.
P: O sr. duvida desses números?
R: A OAB não deu os nomes dos juízes que ela diz que faltaram ao trabalho. Quem são esses juízes? Como é que vou saber se ele faltou ou não?
P: Para a OAB, o objetivo do trabalho não é individualizar a conduta do juiz, mas mostrar que o Poder Judiciário está ausente no interior do Estado.
R: É um exagero de forma policialesca. Foi uma atitude insensata, policialesca e intimidadora.
P: O objetivo é intimidar o juiz?
R: É claro. Isso não vai contribuir de maneira alguma para a melhoria do Judiciário no Pará. Pelo contrário, vai criar um clima de confronto entre juízes e advogados que não interessa a ninguém.
P: Os juízes ficarão ressentidos?
R: É lógico. O juiz é um agente político. O próprio CNJ já decidiu isso no processo 20080000002920. O Sindicato do Judiciário do Maranhão queria impor o ponto eletrônico aos juízes. O conselheiro Paulo Lobo decidiu que o juiz é um agente político que não está sujeito a controle de horário.
P: Mesmo sendo servidor público?
R: Ele é um agente político e não um funcionário público como qualquer um. O juiz é juiz 24 horas por dia, todos os dias da semana, todos os meses do ano. Ele não tem carga horária e nem pode ser imposto um horário para ele cumprir. Ele não pode entrar no fórum às 8 da manhã e sair às 14h. Se for assim, ele não levaria trabalho para casa. Se a OAB entende que há juiz que não trabalha, que ela diga quem é e faça a denúncia à Corregedoria. Isso é uma besteira. Às vezes, tem juiz que chega às 9 ou 10h, porque desde cedo estava trabalhando em casa nos processos, concluindo uma sentença.
P: Em casa ele trabalha mais do que no fórum?
R: Ele trabalha mais tranquilo em casa. No fórum, ele despacha, faz audiências e atende os advogados. Muitos juízes ficam trabalhando até 8 da noite. Se fosse assim, o juiz teria de receber hora-extra pelo trabalho que produz.
P: Que providências a Amepa pretende tomar?
R: Se algum juiz se sentiu intimidado e ofendido e se isso for do interesse dele, nós iremos acionar a OAB por danos morais. Além de outras providências que o nosso departamento jurídico pretende analisar.
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