Por Marina Silva (Senadora pelo PT do Acre)
NA CONSTITUINTE de 1987 e 88, estava patente que as instituições públicas brasileiras precisavam renascer para serem, de fato, instrumento de uma democracia moderna, capaz de navegar no mar da globalização, que já se anunciava avassaladora, para o bem e para o mal.
Para isso, a Constituição definiu os princípios que devem nortear a administração pública: legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência. Inseriu a obrigatoriedade dos concursos públicos, sinalizando para um modelo de burocracia profissionalizado e independente. Hoje, diante da gravidade da crise no Senado, um olhar retrospectivo mostra que andamos muito devagar. Nós, senadores, só temos uma opção. A de implementar esses princípios de forma inteira e verdadeira.
Os concursos estão aí, selecionando gente por meio de regras universais, mas o ambiente das instituições públicas continua dominado pelo patrimonialismo resistente e pelo pragmatismo políticopartidário. Essa cultura é tão arraigada que parte dos funcionários do Senado costuma dizer, para desgosto dos demais: `temos 81 patrões'. Veem-se como empregados de senhores, quando deveriam se reconhecer como servidores de um Poder Público que é patrimônio da sociedade.
De maneira dolorosa, temos agora uma oportunidade de retomar a construção democrática de nossas instituições. Há que se levar em conta, ainda, que os modelos de gestão caducam, se cristalizam e, em alguns casos, se descolam de seus propósitos originais.
O processo legislativo também precisa ser repensado. É cabível projetos de grande interesse social permanecerem dez anos ou mais sem serem votados? As instituições adoecem e precisam ser tratadas, questionadas, revitalizadas, retomar a conexão com o país real.
É imperativo que todas as irregularidades sejam apuradas e punidas conforme a lei, mas isso é insuficiente, porque a mesma fonte que gera esses problemas continuará a jorrar. É preciso virar o modelo de gestão do avesso, avaliá-lo não apenas dentro da comunidade de servidores e senadores, mas junto com a sociedade, para discutir o Congresso que ela quer e está disposta a bancar.
Apoio os senadores que têm apresentado propostas para superar a crise e agrego a minha: a instauração de uma `Instituinte' aberta à população, aos servidores, a estudiosos. Uma espécie de Constituição do Senado, para repensar profundamente a instituição e recriar seus processos políticos e de gestão. Teremos agora um período de recesso. Por que não utilizá-lo para iniciar debates, testando a viabilidade de uma Instituinte?
MARINA SILVA
direto da folhaonline, de 26.06.2009
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